A rivalidade das “elites” são-joanenses, na visão do antropólogo Roberto da Matta

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(Texto de Luís Pontes, publicado na Voz de São João em 12/12/2015)

Recentemente, comentamos, nesta coluna, sobre a acirrada rivalidade que, nas primeiras décadas republicanas, dividia a elite são-joanense entre duas grandes facções políticas. E também dissemos que, curiosamente, ambos esses adversários, ao invés de se organizarem em diferentes agremiações, pertenciam à mesma sigla, a do Partido Republicano Mineiro (PRM).

Desse modo, havia a corrente dos situacionistas, ou “periclistas” – partidários de Péricles Vieira de Mendonça, um líder da velha aristocracia fundadora da cidade –, e também existiam os “dissidentes”. Estes, de certo modo, representavam um elemento de “sangue novo”, pois incluíam, entre os seus principais simpatizantes, alguns membros do poderoso clã dos Sarmento, que dominava a indústria e o comércio da cidade.

Entretanto, cabe observar que, não apenas na República Velha, mas desde sempre, as elites são-joanenses invariavelmente se mostraram divididas. E assim continuariam também depois da época do Dr. Péricles, como, de certo modo, permanecem até os dias de hoje…

De fato, percebe-se que, já durante o período monárquico, por ocasião da fundação da cidade, havia constantes atritos entre o Partido Liberal – encabeçado, entre outros, pelo Coronel José Dutra Nicácio, fazendeiro em São João Nepomuceno –, e o Partido Conservador, localmente liderado, durante um certo tempo, por Custódio Ferreira Leite (o futuro Barão de Aiuruoca) e por Antônio José Monteiro de Barros, dois poderosos políticos estabelecidos em Mar de Espanha e em Leopoldina, respectivamente, localidades que, durante um certo tempo, também pertenceram a São João.

Com a queda do Império e o surgimento da república, entretanto, essa rivalidade não se acabaria. De fato, permaneceria, ainda que dotada de novos contornos, devido às grandes transformações ocorridas na política e na sociedade locais, como a chegada da família Sarmento e as notáveis realizações que ela produziria na economia e na sociedade de São João.

Mas, além das brigas políticas, outras rivalidades grupais passaram a se manifestar na Cidade Garbosa já no início do século 20, e igualmente tendo, como atores, os membros da elite municipal. Foi mais ou menos nessa época que surgiram as disputas entre os clubes carnavalescos e sociais dos Democráticos e dos Trombeteiros. E também foi quando nasceu a rivalidade do Mangueira e do Botafogo no futebol. Dessa forma, observa-se que, às desavenças políticas, somavam-se também confrontos de caráter mais simbólico, e representados por nada menos do que as duas maiores paixões nacionais, surgidas e disseminadas a partir daquele período: o carnaval e o futebol.

Entretanto, essas faces rivais das elites são-joanenses, curiosamente, tinham entre si, não apenas elementos de diferença, mas também de semelhança. Podiam brigar por política, por carnaval ou por futebol. Mas, no entanto, eram de condições socioeconômicas semelhantes (e localmente privilegiadas), ocasionalmente casavam-se entre si, e compartilhavam muitos valores sociais, morais e religiosos, chegando quase a ser uma grande e mesma família…

No entanto, também havia as diferenças, claramente expressas pelos dois grandes rivais carnavalescos da cidade. O Democráticos, por exemplo, nas suas primeiras décadas de existência, de democrático, mesmo, só tinha o nome… Na verdade, era o reduto exclusivo da velha aristocracia são-joanense, dos descendentes dos fundadores da cidade e ocupantes dos principais cargos públicos municipais. Politicamente, o clube preto e branco do “Galo” poderia ter correspondido, no Império, ao Partido Conservador, do mesmo modo que, já na República Velha, confundiu-se com a facção situacionista do PRM, liderada pelos Furtado de Mendonça, descendentes do velho Guarda-Mor.

Já o Trombeteiros, embora também se compusesse de membros da elite municipal, relacionava-se a setores, de certo modo, mais inovadores da sociedade. Isso porque ele preferencialmente incluía, em seu quadro de sócios, os recém-chegados italianos, certos membros da poderosa família Sarmento, e também alguns descendentes das velhas elites que, por um motivo qualquer, se desincompatibilizaram com seus primos do Democráticos. Politicamente, no Império, o clube vermelho e verde da “Águia” teria se confundido com o Partido Liberal e, na República Velha, constituiu o núcleo da dissidência do PRM.

Um valioso estudo antropológico desse trânsito de rivalidades políticas e carnavalescas nas elites da Cidade Garbosa foi escrito pelo acadêmico Márcio Caniello, em um artigo intitulado “O ethos sanjoanense: tradição e mudança em uma ‘cidade pequena’”, que, em outra oportunidade, gostaríamos de comentar em maiores detalhes. Por ora, apenas cabe mencionar que M. Caniello foi, em seu mestrado, orientado por Roberto da Matta, um influente intelectual e antropólogo brasileiro, Doutor pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, membro da Academia Brasileira de Ciências e atualmente Professor no Departamento de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro.

Da Matta, quando menino, morou alguns anos em São João Nepomuceno, de onde ele guarda muitas lembranças, as quais costumeiramente relata em seus escritos e entrevistas. Até hoje, salvo engano, nunca nos constou que nossa cidade tenha oficialmente feito alguma referência, convite ou homenagem para que Roberto da Matta aqui viesse, reencontrar a sua paisagem de infância e, quem sabe?, brindar-nos com a sua inteligência e lucidez. Aos poderes públicos ou a quem mais interessar possa, fica, aqui, portanto, a sugestão…


1ª linha: o galo e a águia, símbolos respectivamente dos clubes carnavalescos e rivais dos Democráticos e dos Trombeteiros de São João Nepomuceno. 2ª linha: escudo do Botafogo (esq.) e do Mangueira (dir.), tradicionais rivais no futebol da mesma cidade. (Ícones carnavalescos publicados no jornal Voz do Povo; escudos futebolísticos extraídos do blog de Nei Medina).

IM RIVALIDADE DM TR BTF MGR

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