Uma peregrinação à Meca… dos são-joanenses

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(Texto de Luís Pontes, publicado na Voz de São João, em 26/03/2016)

Como muitos sabem, os muçulmanos, independentemente do lugar onde nascem ou moram, devem, pela tradição islâmica, ao menos uma vez na vida fazer uma peregrinação a Meca, a principal de suas cidades santas, localizada na Arábia Saudita. E, pegando emprestado tal costume, eu me pus a pensar que, para alguém como eu, nascido em São João Nepomuceno, uma visita à República Tcheca, e aos lugares onde nosso santo padroeiro nasceu, viveu e foi martirizado, talvez também representasse uma espécie de jornada épica e religiosa, onde seria possível ficar cara a cara com um passado a um só tempo trágico, rico e glorioso, do qual, de certo modo, todos nós, são-joanenses – independentemente até das crenças religiosas que porventura venhamos a ter –, acabamos sendo herdeiros.

E assim, aproveitando as férias tiradas entre fevereiro e março de 2016, criei coragem e resolvi visitar a República Tcheca, a fim de realizar esse velho sonho. Antes da partida, porém, fiz alguns valiosos contatos, tanto lá quanto aqui. Isto porque, embora eu fosse realizar uma viagem de cunho pessoal, achei que poderia aproveitar minha estadia em terras tchecas para agir como um intermediário entre os representantes de nossa cidade e os de Nepomuk, berço natal de São João Nepomuceno, e com a qual a Cidade Garbosa está em vias de celebrar um acordo de irmanação, conforme já comentamos anteriormente nesta coluna.

Para alguém que mora no Brasil, um lado desafiador de uma ida à República Tcheca é que ela acaba sendo ainda mais longa e cansativa do que uma viagem “normal” a uma capital europeia mais conhecida. Isto porque, até onde sabemos, não há voos diretos para lá. É preciso ir até um grande “hub”, ou centro de conexão, que depende da companhia aérea – como Paris, no caso da Air France, ou Lisboa, caso se voe pela TAP Air Portugal, e assim por diante –, para lá então tomar outro avião para Praga. No meu caso, acabei, na ida, viajando pela espanhola Iberia. Isso resultou num voo noturno e direto de dez horas do Rio de Janeiro até Madri, mais cerca de três horas de espera no aeroporto de Barajas e então, outras duas horas e meia num segundo voo, até o destino final, o aeroporto Vaclav Havel, de Praga.

Lá cheguei na tarde de domingo, 28 de fevereiro, encontrando um tempo verdadeiramente contrastante com o do Brasil. Deixara o quente e ensolarado verão brasileiro para me deparar com um frio de cerca de zero grau no final do inverno em Praga, com direito a uma nevasca que deixou a cidade toda branca no dia seguinte. E assim, na manhã de 29 de fevereiro – um dia já de certo modo insólito,  típico de um ano bissexto –, depois de um sono reparador e de um ótimo café da manhã, e já devidamente encapotado, pego um mapa da cidade de Praga na recepção do hotel e resolvo caminhar da periferia da cidade, onde eu me encontrava, até o centro histórico da capital tcheca.

Enquanto eu andava sem muita pressa, percorria ruas bastante limpas, com um trânsito pacífico e ordeiro. Onde eu inicialmente me encontrava, a paisagem urbana, para ser sincero, embora nada tivesse de feia, tampouco era das mais encantadoras. Por todos os lados, viam-se grandes prédios residenciais de quatro ou cinco andares, feitos mais ou menos em blocos e num estilo bastante austero, e que certamente eram uma lembrança das décadas de igualitarismo comunista sob o qual o país vivera ao longo de várias décadas do século 20. E o resultado disso é que, ao menos nos lugares por onde passei, não se veem grandes contrastes arquitetônicos como no Brasil, em que as espetaculares residências dos bairros nobres formam um marcante contraponto com os barracos miseráveis das periferias das grandes cidades…

Entretanto, à medida que se aproxima do centro de Praga, o cenário vai mudando, às vezes, de forma espetacular. Descendo uma rua, dou de cara com uma enorme e majestosa torre de pedra, a chamada “Torre de Pólvora”, em excelente estado de conservação, a despeito do fato de ter sido erguida pouquíssimos anos depois do Brasil ter sido descoberto…

Um pouco mais adiante, e as ruas se mostram ladeadas por construções barrocas dos 1600 ou 1700, também muito bem conservadas, a ponto de alguém mais distraído poder erroneamente imaginar que se trata de prédios bem mais modernos. Até que então cheguei à praça principal da cidade, no meio da Stare Mesto, ou “Cidade Velha”, em tcheco, que, desde os tempos medievais, ou mesmo antes, é o centro nevrálgico da velha capital da Boêmia.

Em volta da magnífica praça, esparrama-se um verdadeiro labirinto de ruelas medievais que, mesmo com o auxílio do mapa, tive, no início, certa dificuldade em entender. Até que, finalmente consegui chegar às margens do rio Moldava e, de lá, vislumbrar a enorme ponte Carlos, com seus múltiplos arcos de pedra, e sua amurada repleta de imponentes estátuas de santos, das quais a mais famosa de todas – além da de maior simbolismo para mim – era a de São João Nepomuceno. Tomado por um misto de grande satisfação, enlevo e curiosidade, apertei o passo e dirigi-me para lá.


BLOG PRAÇA DE PRAGA

Vista da principal praça de Praga, no meio da Stare Mesto (ou  “Cidade Velha” ), a parte mais antiga daquela capital, onde também se observam, ao fundo e à direita, as duas torres da célebre igreja da Nossa Senhora de Tyn, um de seus maiores símbolos.

BLOG RIO MOLDAVA E EU

Este autor na margem direita do rio Moldava, com a ponte Carlos e seus múltiplos arcos ao fundo e onde, acima à esquerda, delineia-se a silhueta da Catedral de São Vito, erguida no meio do castelo de Praga, onde o mesmo santo encontra-se atualmente sepultado.

CONTINUA EM: https://sjnhistoria.wordpress.com/2017/05/28/impressoes-de-um-sao-joanense-em-praga-parte-1-de-2/

 

2 comentários

  1. Não li, devorei cada palavra e me emocionei. Que maravilha estar onde viveu nosso Padroeiro. Parece um conto de fadas meu querido primo.
    Estou agora mergulhada nos mistérios do Morro do Tongo. Teria alguma coisa a ver com o nome das peças de madeira, tipo artesanato, da família do Biel?
    Não me esqueço de uma em particular que me encantava.Uma tábua delicadamente envernizada, um tronquinho ferido por um Machado, com uma frase lindamente manuscrita :”Se como o sândalo que perfuma o Machado que o fere”. Era escrito na placa da loja:”Produtos Tongo.”

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    • Prezada Carolina, agradeço-lhe as generosas palavras, e também a informação sobre a existência de uma marca “Tongó” de artesanato são-joanense, que eu até então desconhecia. Espero que nos encontremos numa futura oportunidade, quando eu gostaria que você me passasse algumas outras valiosas informações sobre SJN que você certamente possui. Um abc

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