O trem, o barão e o ressurgimento de São João Nepomuceno

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(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 07/03/2015 – reeditado)

Ao longo de sua história bissecular, São João Nepomuceno já esteve sob a dependência política e religiosa de algumas de suas localidades vizinhas. Primeiro, subordinou-se política e eclesiasticamente à freguesia de São Manuel do Pomba (atual Rio Pomba), dela tornando-se um distrito em 1818.

Por sua vez, em 1831, São Manuel do Pomba seria elevada à condição de vila, abarcando, em seu território, um grande número de outras localidades da Zona da Mata mineira, que então lhe eram dependentes, como Mercês, Rio Novo, a própria São João Nepomuceno e várias outras. Até que, uma década depois disso, começaria para SJN um período de idas e vindas de emancipação política, ao sabor das disputas travadas entre os partidos Liberal e Conservador do Império, que, naturalmente, também tinham seus representantes em nossa cidade.

Em consequência desses embates, a partir da década de 1840 e ao longo dos quatro decênios seguintes, São João experimentaria nada menos do que cinco mudanças de status político. Ganharia, em 1841, uma emancipação política temporária, que seria anulada pela elevação de Mar de Espanha a sede municipal dez anos depois (em 1851), fazendo com que São João voltasse à condição de distrito. Esta situação perduraria ao longo de 17 anos, até que, em 1868, São João recuperaria a sua condição de vila. Entretanto, a segunda emancipação seria ainda mais fugaz e insignificante do que a primeira: duraria somente dois anos, visto que, em 1870, SJN voltaria a ser um distrito, só que, desta vez, de Rio Novo, condição na qual permaneceria ao longo de mais outra década, até o ano de 1880.

Desde a sua fundação em 1815 até a sua emancipação definitiva, e apesar de um lento crescimento, era como se São João estivesse congelada no tempo. Até que, em 1880, nossa localidade vivenciaria um evento econômico e social de enormes proporções, que mudaria radicalmente a sua história: a chegada da estrada de ferro.

Enquanto que, até então, para ir de São João até um “grande” centro, como Vila Rica, na época, capital de Minas Gerais, ou vice-versa, gastavam-se muitos dias ou mesmo semanas de uma penosa e arriscada viagem a pé ou por tração animal, agora, quase que miraculosamente, a localidade encontrava-se a um dia de viagem do Rio de Janeiro, que era nada menos do que a capital do Império do Brasil! E com uma enorme diferença: agora viajava-se praticamente sem esforço ou perigo algum, de forma relativamente cômoda e barata, e podendo levar praticamente a quantidade de bagagens e cargas que se quisesse!

Dizem alguns respeitáveis autores – como Edmundo Siqueira em 1938 e, talvez guiado por ele, também José de Castro Azevedo – que a inauguração da linha férrea até São João teria ocorrido num dia não especificado de dezembro de 1880. Entretanto, já encontramos fontes bastante fidedignas, como jornais contemporâneos, informando que o trecho são-joanense da ferrovia foi inaugurado alguns meses antes disso, mais precisamente numa quinta-feira, 24 de junho de 1880, e somente quatro dias após a inauguração, no domingo prévio, do trecho anterior, de Bicas até Roça Grande. Portanto, coincidentemente (ou não), a profunda e radical mudança sofrida pela Cidade Garbosa, com a inauguração de sua ferrovia, deu-se num dia de São João, ainda que, neste caso, tenha sido o Batista, e não o Nepomuceno…

Na verdade, tudo isso naturalmente não aconteceu por milagre, mas foi o ponto culminante de uma verdadeira epopeia regional, associada à idealização e construção da via férrea, iniciada alguns anos antes. Um dos primeiros marcos desse seminal empreendimento foi a fundação da Estrada de Ferro União Mineira – EFUM –, em 1876, que congregava, com seus cerca de 300 acionistas, a elite cafeeira e agroexportadora da Zona da Mata mineira. Com a nova estrada de ferro passando por nossa região, os fazendeiros daqui conseguiram escoar sua produção, conectando-a com uma estrada de ferro nacional, a Pedro II e, desta forma, também ao porto do Rio de Janeiro.

Durante a fase de planejamento da ferrovia, seu primeiro presidente, membro da diretoria e um dos principais acionistas, foi Pedro de Alcântara Cerqueira Leite. Tratava-se de um importante fazendeiro, magistrado e político mineiro, e que havia sido também, algum tempo antes (na década de 1860), Presidente (cargo hoje equivalente ao de Governador) de Minas Gerais. Cerqueira Leite optou por adotar uma bitola (a distância entre os trilhos) mais moderna, de um metro de largura. Foi uma decisão acertada, visto que o sistema métrico decimal, por uma iniciativa do Império, estava então sendo implementado no Brasil, apesar das resistências populares, decorrentes de um apego a medidas mais antigas, como a légua e a jarda para as distâncias, e a libra e a oitava para os pesos. A propósito, quando Cerqueira Leite fora Presidente mineiro, ele também estimulou a adoção do sistema métrico decimal em Minas Gerais.

Leite não era de São João, mas sim de Barbacena. Entretanto, a ferrovia que recebeu tanta influência sua seria um verdadeiro divisor de águas – econômico, social, político, enfim, histórico – para nossa cidade. Decorridos apenas dez meses após a inauguração da estrada de ferro em São João, o veterano Presidente da EFUM, com seus 73 anos de idade, aqui chegava de forma apoteótica, acompanhando, num comboio saído da Serraria, junto à divisa com o Rio, os Imperadores Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina, em 27 de abril de 1881.

E, naquela ocasião, São João recebia a ilustre comitiva, não mais na condição de distrito, mas sim como uma vila, emancipada definitivamente em 30 de novembro de 1880, quando eram decorridos, portanto, apenas cinco meses desde a inauguração da estrada de ferro! Não há dúvidas de que a grande impulsionadora dessa evolução política foi, portanto, a ferrovia.

E, nesse sentido, seu mais ilustre passageiro, Dom Pedro II, enquanto estava à noite em seu quarto em um casarão hoje demolido na Praça Treze de Maio, ao lado da matriz do santo padroeiro tcheco, escreveu, em seu diário, sobre o que ele vivenciou naquele dia: “[na estação da Serraria, 4ª-feira de manhã,] entramos no trem da União Mineira. Percorremos 84 km até o arraial – vila ainda não instalada de São João Nepomuceno. (…) Vim conversando com o engenheiro Betim, cuja direção inteligente e ativa revela-se no modo  por que a estrada foi construída e se conserva, tendo trilhos de aço, e com o desembargador Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, a cuja influência se deve sobretudo a estrada, que é de bitola de um metro. Cheguei a S. João às 4h e 20’ [da tarde]. Estava decadente, mas já ressurge.”

Menos de dois meses depois de sua visita a nossa cidade, em 15 de junho de 1881, o Imperador brasileiro concederia a seu xará, Pedro de Alcântara Cerqueira Leite, o título de Barão de São João Nepomuceno. Tratou-se do enobrecimento, não apenas de uma figura de destaque na Zona da Mata durante o Segundo Reinado, mas também da própria cidade que lhe emprestava o título. Foi, assim, o reconhecimento imperial de que a localidade mineira, nascida e batizada sob a égide do Mártir da Confissão, deixara de ser para sempre um simples “arraial”. Crescera definitivamente para se transformar na sede de um município, e também de um baronato do Império brasileiro…


BLOG DOM PEDRO II E TERESA CRISTINA COMO MINEIROS

Acima, uma caricatura “realista” dos Imperadores do Brasil, Dom Pedro II e Dona Tereza Cristina, literalmente vestidos de mineiros – com velas acesas sobre chapéus de couro e roupas de brim -, enquanto se aventuravam quase 500 metros abaixo da terra, numa mina na região de Sabará, no início de abril de 1881. Nessa mesma viagem a Minas, três semanas depois de passarem por Sabará, os Imperadores também visitariam São João Nepomuceno, aqui desembarcando no Largo da Estação Ferroviária (que, alguns anos mais tarde, e até o início do século 20, chegaria a ser chamado de Praça Saldanha Marinho), e que aqui aparece numa foto do belga George Heughebaert, da primeira década dos 1900 (acervo de Paulo Pavel). E, menos de dois meses após a sua visita a terras são-joanenses, Dom Pedro II concederia o baronato de São João Nepomuceno a seu cicerone Pedro de Alcântara Cerqueira Leite. O principal motivo dessa honraria residiu no fato de que Leite (oriundo de uma antiga e poderosa família luso-mineira, cujo brasão está representado na última imagem) foi um dos principais líderes do grande empreendimento responsável pela ferrovia.

Praça Saldanha Marinho

BLOG LEITE BRASAO

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