Faroeste mineiro

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(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João, em 12/03/2016)

O grande confronto armado que, no final da tarde de 7 de setembro de 1926, resultou em vários mortos e feridos em São João Nepomuceno, entrou tristemente para a nossa história como o evento político mais dramático de nossa cidade. E, ao que tudo indica, o estopim para que tal tragédia acontecesse não passou, na verdade, de um grande mal entendido.

Isto porque, conforme vimos dizendo recentemente neste blog, no próprio dia daquele trágico acontecimento, um pouco mais cedo, já se havia combinado que a mudança de nome da então Praça 13 de Maio (a atual Coronel José Brás) para “Praça dos Andradas” não mais ocorreria. Assim decidiram as autoridades locais e com isso, a contragosto, tiveram que concordar os dissidentes do Partido Republicano Mineiro, o PRM, que inicialmente haviam pleiteado tal alteração.

Porém, mesmo tendo sido proibidos de trocar o nome do logradouro, os dissidentes desejaram ao menos promover um comício em frente à sede do Clube Trombeteiros, onde mostrariam a placa para seus correligionários. E, para isso, obtiveram o consentimento do então delegado de polícia, Frederico Codeceira, que para lá despachara um grupo de soldados, armados de carabinas, a fim de garantir a segurança de todos.

Entretanto, devido a uma grave falha de comunicação, os situacionistas do PRM, que estavam se reunindo nos Democráticos e se opunham a tal mudança, interpretaram aquela aglomeração de pessoas na frente do clube adversário como um indício iminente de que os dissidentes, de fato, colocariam na praça a tão falada placa, recém-trazida do Rio de Janeiro por Francisco de Moraes Sarmento, o Filhote, um dos líderes da oposição.

E assim, chefiados por Orozimbo Rocha e outros, os situacionistas saíram dos Democráticos e atravessaram o então largo do Rosário – que naquela época não passava de um descampado, visto que o jardim que hoje se conhece ainda não existia – e foram se postar, desafiadoramente, diante de seus rivais, na frente dos Trombeteiros. Naquele instante, a praça estava cheia, com várias centenas de pessoas, havendo, inclusive gente indefesa e que nem sabia direito o que estava acontecendo, o que provavelmente se tratava da grande maioria dos presentes.

Porém, igualmente existiam, da parte de ambas as facções rivais, pessoas que tinham conhecimento de que um confronto poderia muito bem ser deflagrado. E, devido a isso, é provável que não poucos desses militantes para lá se dirigiram portando armas debaixo de suas roupas. Muitos levavam revólveres escondidos, mas nos parece bastante plausível que as armas brancas – como facas e punhais – deveriam ser ainda em maior número, devido à grande popularidade de seu uso.

Enquanto isso acontecia, a banda da fábrica de tecidos Sarmento, indústria dirigida por Filhote, iniciava seu número musical. Tratava-se de um preâmbulo para que o advogado e jornalista Francisco Bianco Filho, outro dissidente, iniciasse seu discurso para a multidão que lá se aglomerava.

Foi quando, então, Filhote e seu primo e adversário político, Severiano Sarmento, na frente dos Trombeteiros, se defrontaram. E não tardou muito para que ambos iniciassem uma discussão que, em pouquíssimo tempo, descambou para a violência física. Segundo disseram algumas testemunhas, os dois sacaram seus respectivos revólveres. Entretanto, Filhote levou a melhor, atingindo em cheio seu oponente, que, caído, ainda efetuou alguns disparos a esmo. Não se sabe quem deu o primeiro tiro, e provavelmente jamais se saberá. Os dissidentes disseram que ele partiu da arma de Severiano, enquanto que os periclistas afirmaram que foi o contrário. Mas igualmente se sabe que Filhote também atingiu Orozimbo Rocha, que tombou ao lado de Severiano, enquanto, segundo alguns, Orozimbo se encontrava completamente indefeso, ao tentar amparar seu companheiro ferido, que já agonizava.

Os tiros disparados pelos primos Sarmento, por sua vez, provocaram uma reação em cadeia, cujas consequências foram catastróficas. Durante alguns minutos, o largo do Rosário, apinhado de uma multidão tomada pelo pânico, transformou-se em uma praça de guerra. Havia gente atirando para todos os lados, a quem se juntaram os soldados da força pública, que, num misto de surpresa e despreparo, ao tentarem conter a multidão, também descarregaram suas carabinas, atingindo um grande número de pessoas.

Mas, se da parte dos periclistas havia dois indivíduos mortalmente feridos – Severiano Sarmento e Orozimbo Rocha –, do lado oposto, as coisas não foram melhores. Francisco Sarmento, depois de ter derrubado seus dois adversários, e já sem munição, viu-se cercado por populares revoltados. Levou um tiro na região glútea, que, segundo seus correligionários, teria sido disparado ainda por Severiano, que o teria atacado pelas costas, ao passo que os situacionistas disseram que, possivelmente, tal tiro talvez tenha sido dado a esmo pelos próprios companheiros de Filhote. Este último foi então atingido por uma punhalada no coração. Deu alguns passos cambaleantes e caiu, sofrendo uma morte quase instantânea. Seu amigo, o caixeiro viajante Domingos Frederico – que, por um infeliz acaso, aceitara participar daquele evento, deixando de ir para Juiz de Fora, onde morava, a fim de acompanhar Filhote a São João – levou um tiro na perna e outros no abdômen. O médico Euclides de Freitas, outro dissidente, teve ambas as pernas atingidas, possivelmente por tiros de carabina, e teria um dos pés posteriormente amputado. Um irmão de Filhote, Genaro de Moraes Sarmento, chefe de seção da fábrica de tecidos, levou três tiros nas pernas, porém sem maior gravidade.

Entre os feridos, que, de acordo com alguns, chegaram a 15 e, segundo outros, a mais de 20, também se encontraram o eletricista Sebastião José de Oliveira, com um tiro na perna, Antônio Fernandes Teixeira, Armando Costa, Francisco Marcelo e Rafael Girardi, além de uma senhora, Maria Pacífico, e de um menor, Leo Palmonelli.

A respeito desse trágico episódio, sobre cujos desdobramentos imediatos escreveremos na sequência deste texto, assim se manifestou a revista O Malho, do Rio de Janeiro, contemporânea de tais acontecimentos: “a criminalidade no território mineiro como resultante da politicagem municipal não difere do ´far-west’ americano. Trata-se de um comentário justo a sucessos vergonhosos (…), que degeneram em tragédias sanguinolentas, como, por exemplo, a que ocorreu em São João Nepomuceno. Mas, do artigo em questão, só nos apraz (…) unicamente (…) provar que, à nossa precária cinematografia, não faltam assuntos sensacionais. E que assuntos! ‘Far-west’ político, em localidades cheias de trabalho e civilização!…”


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