A fazenda da Roça Grande

CONTINUAÇÃO DE: https://sjnhistoria.wordpress.com/2017/07/03/o-dia-em-que-tiradentes-passou-por-roca-grande/

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 27/12/2014 – reeditado)

Dissemos recentemente, neste blog, que, em maio de 1784, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, participou de uma expedição que desbravou os Sertões do Leste, saindo de Vila Rica – hoje Ouro Preto –, passando por Rio Pomba e indo até o Rio Paraíba, na divisa entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. E que, nessa diligência, ele e seus companheiros passaram por uma região já naquela época conhecida como “Roça Grande”, precisamente onde hoje se localiza parte do município de São João Nepomuceno.

Entretanto, o que mais intriga em tudo isso é o fato do cronista e comandante dessa expedição – o Sargento-Mor Pedro Afonso Galvão de São Martinho – ter se referido àquela localidade explicitamente  por esse nome – “Roça Grande” –, enquanto que então ainda não existia sequer a capela de São João Nepomuceno. Esta última, supomos, somente surgiria na década de 1790 ou na de 1800, tendo primitivamente sido um templo particular na fazenda da família Henriques, uma das fundadoras de nossa cidade.

Mas, como é possível que o nome de “Roça Grande” já existisse, pelo menos, desde a década de 1780, ao passo que São João Nepomuceno somente surgiria depois? Apesar de estranho, acreditamos que isso seja possível. E, para vermos como tal fato se deu, basta lembrarmos do que já comentamos acerca da diferença entre o nome de uma localidade – como um município ou distrito – e o núcleo urbano da mesma, que são duas coisas bastante diferentes.

No caso de São João, por exemplo, pode-se convencionar – segundo o que temos argumentado – que a cidade propriamente dita foi oficialmente fundada em 27 de novembro de 1815, quando o Guarda-Mor Furtado de Mendonça e sua esposa doaram dez alqueires de terra para a construção da “nova capela de São João Nepomuceno”, onde seria pouco depois erguido o templo originário da atual Igreja Matriz, em torno do qual a área urbana são-joanense se desenvolveria. Porém, antes disso, teria funcionado em nossa região um primitivo templo de São João Nepomuceno, na forma de uma capela ou mesmo de uma ermida na casa-grande da fazenda dos Henriques. E foi esse templo primordial que teria dado o primitivo nome à nossa região, muitos anos antes, portanto, da capela no largo da matriz começar a ser construída.

Ao que tudo indica, algo similar se passou com Roça Grande. Ou seja, quanto a esta localidade, é preciso distinguir duas coisas diferentes. Uma é o seu núcleo urbano, que é de fundação relativamente tardia. De fato, num minucioso mapa de nossa região confeccionado pelo Tenente João José da Silva Teodoro em 1847, aparece, por exemplo, o então distrito são-joanense da Santíssima Trindade do Descoberto – que agora é a cidade deste último nome – e também o de Nossa Senhora das Dores do Rabicho, atual Taruaçu. Entretanto, no mesmo mapa, não existe qualquer traço da capela ou povoado de Roça Grande, onde hoje se localiza o distrito deste mesmo nome. Não obstante, há, no mapa, o ribeirão e também a serra de Roça Grande, que conservam essa denominação até os dias atuais.

Portanto, fica claro que o nome para a região de Roça Grande surgiu antes mesmo da sua respectiva área urbana. Inicialmente, tratava-se também da denominação da fazenda do Guarda-Mor Furtado de Mendonça, conforme se vê num requerimento de sesmaria que ele fez ao governo mineiro em 1818. No entanto, a fazenda da Roça Grande foi comprada pelo Guarda-Mor, conforme ele mesmo atesta em sua solicitação. Isso mostra, portanto, que ela já tinha um dono anterior a José Antônio de Mendonça. E é provável que tal propriedade existisse desde quando o Guarda-Mor ainda era uma criança, visto que, em 1784 – ano no qual o Tiradentes e seus companheiros de diligência passaram por ela e certamente lá pernoitaram – o então futuro Guarda Mor ainda era um menino de cerca de 11 anos de idade, provavelmente vivendo com sua família muito longe dali, em Queluz de Minas, atual Conselheiro Lafaiete.

Um ponto curioso é que “Roça Grande” originalmente, não era um topônimo ou nome próprio, a ser grafado com letras maiúsculas. Antes, era um substantivo composto e comum, escrito com letras minúsculas, para se referir a algo muito frequente entre os desbravadores mineiros: no meio do sertão, eles desmatavam uma vasta área da floresta e nela plantavam uma roça grande de milho, que também podia incluir outros alimentos básicos, como o feijão e a mandioca. Dessa forma, próximo a Sabará, por exemplo, na primitiva região mineradora do estado, existiu uma localidade chamada “Roça Grande”, exatamente porque tinha esse propósito inicial.

Outro aspecto interessante é que, muito provavelmente, essa “roça grande” originária do nosso distrito talvez tenha sido obra e graça de pioneiros vindos do lado do rio Paraíba, ou seja, da direção do Rio de Janeiro, e não provenientes de Rio Novo ou do centro de Minas, conforme detalharemos posteriormente nesta coluna.

Portanto, embora a área urbana de São João Nepomuceno tenha sido provavelmente fundada em 1815 e, assim, muitas décadas antes do núcleo urbano de Roça Grande, ao menos em termos da denominação genérica de suas respectivas regiões, o distrito parece ser mais antigo do que a sede do município! E tem essa antiguidade comprovada pela passagem por lá de ninguém menos que o nosso Mártir da Inconfidência…


BLOG FAZENDA DA ROÇA GRANDE

Acima, a sede da fazenda de Roça Grande, no álbum de fotografias de São João Nepomuceno de autoria do italiano Roberto Capri, publicado em 1916. Abaixo, trecho de um requerimento de sesmaria datado de 19 de maio de 1818, onde se lê: “Diz o Guarda-Mor José Antônio de Mendonça que ele, suplicante, possui umas terras e posses que as houve por compra a várias pessoas, e as está cultivando há muitos anos nesta paróquia do Sertão do Rio Novo, Freguesia do Mártir São Manuel do Pomba, no lugar do Ribeirão denominado Bom Sucesso, na Fazenda da Roça Grande (…)”. 

BLOG CARTA DE SESMARIA DE ROÇA GRANDE PARTECONTINUA EM: https://sjnhistoria.wordpress.com/2017/07/17/espioes-de-roca-grande-e-herois-em-cantagalo/

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