O bispo que quase não coroou Dom Pedro I, e que quase visitou Taruaçu

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(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 06/06/2015 – reeditado)

A independência brasileira ocorreu, como se sabe, no dia 7 de setembro de 1822, tendo sido proclamada pelo então príncipe regente Dom Pedro, que se tornaria o criador da dinastia imperial do Brasil. No entanto, a aclamação de Pedro I como Imperador só ocorreria oficialmente no Rio de Janeiro, no mês seguinte ao do grito do Ipiranga, mais especificamente em 12 de outubro de 1822, data na qual o jovem soberano completava 24 anos de idade.

Entretanto, faltava ainda coroar o novo monarca, e o dia que se escolheu para isso também era bastante significativo: 1º de dezembro daquele mesmo ano. Tratava-se de uma efeméride de enorme importância para a dinastia portuguesa de Bragança, à qual pertencia Dom Pedro. Isto porque foi em 1º de dezembro de 1640 que um ancestral seu, o Duque de Bragança, tornou-se o Rei Dom João IV de Portugal em decorrência de uma bem-sucedida revolta de independência contra o domínio espanhol. Portanto, por uma significativa analogia histórica, naquele 1º de dezembro de 1822, um novo príncipe bragantino também conduzia o processo de independência de um imenso “Portugal americano”, que veio a se tornar o Império do Brasil…

Embora não haja, até onde saibamos, registros explícitos sobre como se celebrou a independência brasileira em São João Nepomuceno, parece-nos certo que aqui houve comemorações para festejar a coroação de Dom Pedro I. Isto porque, no dia 1º de novembro de 1822, o então Bispo de Mariana, Dom Frei José da Santíssima Trindade, escreveu uma carta pastoral que foi enviada a toda a sua diocese, avisando sobre a coroação imperial que se avizinhava, e também recomendando a seus fiéis que respeitassem a independência brasileira (isto é, que não tomassem o partido dos portugueses), ao mesmo tempo em que também os instruía sobre como proceder com as celebrações. Dessa forma, Dom José instou que, no dia da coroação de Dom Pedro I, que “todos os Párocos e Clérigos deste Bispado (…) se ajuntem nas suas Igrejas Matrizes ou Capelas Curadas com o seu Povo para solenizarem, com a Missa cantada e Te Deum Laudamus, a Coroação do Nosso Novo Imperador, precedendo três dias de Luminárias nas fronteiras das Igrejas e de suas casas, e repiques de sinos”. Portanto, é provável que, assim, e diante da mesma e velha imagem de São João Nepomuceno que até hoje domina o altar de nosso templo principal, os fundadores e os primitivos habitantes de nossa cidade comemoraram também a fundação do nosso país e do Império brasileiro.

O Bispo de Mariana foi um dos três prelados nacionais que participaram da coroação de Dom Pedro I. Nesta cerimônia, uma ausência significativa foi a do Bispo de Salvador, Dom Frei Vicente da Soledade e Castro, o Primaz do Brasil, visto que a capital baiana era a sede da primeira diocese em nosso país. No entanto, o bispo da Bahia conservou-se fiel ao Rei lusitano, Dom João VI, e, assim, logo após a independência, retornou a Portugal, para não participar de uma situação que ele desaprovava.

Devido à recusa do Primaz em coroar o novo imperador, essa histórica tarefa acabou sendo assumida pelo Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Caetano da Silva Coutinho, que também era Capelão Mor e vivia na então capital brasileira. A coroação se deu em meio a uma extremamente longa, pomposa e solene cerimônia, que reuniu autoridades de todas as partes do Brasil, e à qual o povo do Rio de Janeiro e seus visitantes compareceram em massa.

Um ponto curioso é que, apesar de, na coroação de Pedro I, ter havido uma comunhão de ideias entre os bispos de Mariana e do Rio de Janeiro – afinal de contas, ambos apoiaram a causa da independência nacional –, havia entre eles também pelo menos um “pomo de discórdia”. E este se traduzia, mais precisamente, numa disputa de terras entre suas respectivas dioceses, correspondentes a um território hoje pertencente a nada menos que São João Nepomuceno! Isto porque Mariana e o Rio de Janeiro disputavam, entre outros territórios, a área dominada pela Capela de Nossa Senhora das Dores de Monte Alegre, que mais tarde também seria conhecida como Nossa Senhora das Dores de Taruaçu, hoje um distrito de São João.

Essa disputa entre os bispados de Minas e do Rio chegou a levar o Bispo fluminense, Dom José Coutinho, a realizar, em março de 1825, uma visita pastoral que “invadiu” o território mineiro, segundo um itinerário que, em Minas, começou por São José da Paraíba, a atual cidade de Além Paraíba. Entretanto, o Bispo Coutinho parece não ter gostado muito de seu anfitrião, o sacerdote daquelas paragens. Tanto que escreveu que: “Finalmente, enjoado da mesquinhez insuportável do Padre Miguel Paiva, resolvi partir imediatamente, atravessando o [rio] Paraíba, para a margem direita [ou fluminense], (…) deixando de visitar outros povoados no interior deste sertão, como havia tencionado, enganado pelo [Padre] Miguel, e que vem a ser, em rumo do norte, a Ermida das Dores”, segundo relata Celso Falabella de Castro.

Essa “ermida das Dores” então nada mais era que o primitivo templo que deu origem à Capela de Nossa Senhora das Dores de Monte Alegre, a qual, muito mais tarde, também seria chamada de Taruaçu. Entretanto, mesmo sem vir até o atual distrito de nossa cidade, o Bispo do Rio de Janeiro continuou exercendo sua autoridade sobre essa parte de São João Nepomuceno até o fim de sua vida, situação essa que perduraria com os seus sucessores ao longo de quase todo o século 19, conforme se detalhará na sequência deste texto.


BLOG COROACAO DE DOM PEDRO I

Acima, imagem de um grande óleo do pintor francês Jean Baptiste Debret, retratando a cena da coroação do Imperador Dom Pedro I em 1º de dezembro de 1822. A coroação do primeiro imperador brasileiro foi realizada, portanto, menos de três meses após o grito do Ipiranga, ocorrido em 7 de setembro daquele mesmo ano (segundo um quadro de Pedro Américo, a seguir):

BLOG INDEPENDENCIA DO BRASIL PEDRO AMERICO

Abaixo, um detalhe do primeiro quadro, onde aparece, de pé e de perfil, o Bispo do Rio de Janeiro, Dom José Caetano da Silva Coutinho, que coroou o primeiro Imperador do Brasil e que também, três anos mais tarde, em 1825, seria uma das primeiras pessoas a registrar por escrito, numa visita pastoral à divisa entre Minas e o Rio, a Capela das Dores de Taruaçu. No detalhe da figura, na parte inferior direita, aparece, de costas, outro prelado presente à cerimônia, que talvez seja Dom Frei José da Santíssima Trindade, Bispo de Mariana, o “rival derrotado” pelo bispo fluminense na disputa por Taruaçu.

BLOG COROACAO DE DOM PEDRO I DETALHE

Por fim, os retratos, respectivamente, de Dom José Coutinho do Rio de Janeiro (segundo um desenho de Debret), de Dom Frei José de Mariana, e da igreja de Nossa Senhora das Dores de Taruaçu, o motivo da disputa entre os dois referidos prelados, ocorrida na época da proclamação da independência brasileira:

BLOG DOM JOSE CAETANO DA SILVA COUTINHO BISPO DO RJ

BLOG DOM FREI JOSE DA SANTISSIMA TRINDADE

BLOG TARUAÇU ANTIGO.png

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