Algumas ruas de São João: quem veio primeiro, o nome ou o apelido?

CONTINUAÇÃO DE: https://sjnhistoria.wordpress.com/2017/08/31/a-imperial-ordem-da-rosa-e-seus-comendadores-em-sao-joao-nepomuceno/

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 30/07/2016 – reeditado)

Recentemente, comentamos, neste blog, sobre o fato de que, num único dia – 15 de junho de 1881 – o Imperador Dom Pedro II concedeu a comenda da Ordem da Rosa a alguns notáveis personagens da política e da economia são-joanenses. E alguns deles foram os Comendadores João José Medina, Francisco Ferreira de Assis e José Soares Valente Vieira, que dariam seus respectivos nomes a três antigas e centrais ruas da Cidade Garbosa.

A respeito do surgimento e batismo dos logradouros públicos são-joanenses (ou, pelo menos, de alguns dos principais deles), uma série de preciosos relatos – intitulada “A história da minha rua” – foi escrita pelo Dr. José de Castro Azevedo na década de 1960. E essas crônicas, alguns anos atrás, foram reunidas na forma de um livro com esse mesmo nome, publicado pela Prefeitura de São João Nepomuceno.

Pelos escritos do Dr. Azevedo, percebe-se que, no centro da nossa cidade, onde se localiza a maioria ou a totalidade dos logradouros mais antigos, houve mais de uma “geração” de ruas. E, desse modo, às vias primitivas seguiram-se outras um pouco mais recentes, sendo que, não raro, estas últimas se cortaram de modo a atravessar os quintais das casas mais antigas.

Este foi, por exemplo, o caso da atual Rua Comendador José Soares, também chamada de “Rua Nova”. O motivo do apelido dessa rua foi o fato dela ter sido posteriormente aberta nos fundos de residências mais antigas, situadas, de um lado, na rua Guarda-Mor Furtado (a da descida do morro da matriz, que antigamente ia desde a atual Praça 13 de Maio em frente à igreja, até a atual Praça Cel. José Brás, do grupo do mesmo nome), e de outro lado, na Rua Nazaré, também popularmente conhecida como a “Rua do Sapo”.

Sobre este último caso, cabe comentar que o apelido de Rua do Sapo, embora informal, era a denominação mais antiga daquele logradouro. E isto se justificava pelo fato de que, nos primórdios da história são-joanense, aquele local era tomado por terrenos pantanosos, que somente mais tarde seriam esgotados para que neles se erguessem residências. Já o nome oficial de “Rua Nazaré” só surgiu depois, ainda na segunda metade do século 19. E foi uma homenagem a Manuel Rodrigues de Nazaré, um dos fundadores de SJN, o qual, junto com o Guarda-Mor Furtado e Antônio Dutra Nicácio (o pai do Cel. José Dutra), foi um dos doadores de terras para a constituição do curato são-joanense.

Como a rua Nazaré, naqueles antigos tempos, era um lugar brejoso, devia ser frequente, à noite,  o coaxar dos sapos naquelas paragens, daí vindo, portanto, o seu apelido. E o mesmo logradouro também era bastante infestado de insetos, fazendo com que a população mais afluente da cidade preferisse fixar residência longe dali. Dessa forma, a rua da Sapo era, em seus primórdios, costumeiramente habitada pelos estratos mais humildes da população são-joanense, em grande parte formados pelos habitantes pardos e negros de nossa cidade. Somente mais tarde é que aquela via seria “revitalizada”, integrando-se de vez ao centro urbano da Cidade Garbosa e recebendo, assim, moradores e residências mais afluentes.

Outro caso curioso, em temos de denominação de ruas são-joanenses, é a do Buraco. Segundo o que entendemos do texto do Dr. Azevedo, trata-se também de um logradouro aberto numa espécie de “segunda geração” das vias urbanas de SJN. Isto porque a rua do Buraco somente foi traçada algumas décadas depois de já haverem surgido ruas muito mais antigas na nossa cidade. Inicialmente, ela era muito mais comprida do que nos dias de hoje. Segundo alguns, começava próximo à atual Praça Dr. Augusto Glória (onde atualmente fica a sede do Clube Botafogo) e avançava rumo leste, até o pé do morro da atual capelinha de Santo Antônio, a qual, naqueles primitivos tempos, nem sequer existia. O nome informal de “Buraco” se devia ao fato de que se tratava então de uma rua sem saída, terminando bruscamente no pé daquele morro. Apenas algum tempo depois, o Padre Condé, que, no final do século 19, substituiria o Cônego Reis como o vigário são-joanense, e que chegou a residir perto dali, teria a iniciativa de mandar abrir uma via conectando-a, no seu final, à Rua do Descoberto, segundo uma travessa que depois se rebatizaria precisamente com o nome daquele sacerdote (Travessa Padre Condé). E apenas mais tarde é que a Rua do Buraco receberia o nome oficial de Comendador João Medina.

Mas, falando da Rua do Descoberto, também cabe dizer que uma história semelhante se passou com ela! Inicialmente, ela já tinha esse nome informal, porque se tratava – como ainda se verifica – da saída de nossa cidade para o então distrito, hoje município, de Descoberto. E somente depois é que ela se rebatizaria com o nome do Capitão José Maria Ferreira Campos, um fazendeiro e político que, por sua vez, residia no distrito descobertense, do qual seria representante como vereador em nossa cidade na legislatura de 1916.

Portanto, o que queremos dizer com tudo isso é que, ao menos nesses quatro velhos logradouros são-joanenses, houve uma verdadeira inversão na ordem de suas respectivas denominações. Achamos comum pensar que o apelido vem sempre depois do nome verdadeiro. (Por exemplo, primeiro alguém é batizado como “Francisco”, e somente depois disso é que ganha o apelido de “Chico”). Porém, no caso dessas quatro ruas são-joanenses – Nova, do Sapo, do Buraco e do Descoberto –, aconteceu precisamente o contrário: o apelido é mais antigo do que o nome!

Outro fato curioso é que, dois desses logradouros – os dos Comendadores João Medina e José Soares – receberam seus nomes oficiais num mesmo dia: 6 de dezembro de 1906. Nesse ponto, há que se comentar também sobre a Rua Comendador Francisco Ferreira, que, inicialmente, começava no quarteirão onde hoje se encontra o Centro Cultural (o antigo cinema), passava pela Prefeitura e pelo Grupo Judith de Mendonça e terminava na Rua Cel. José Dutra, ou do Sarmento, sendo que boa parte dela depois se transformaria na rua Presidente Getúlio Vargas.

Ao que tudo indica, a rua Comendador Francisco Ferreira também recebeu esse nome oficial mais ou menos na mesma época em que os outros dois logradouros acima citados foram batizados com os nomes de seus colegas comendadores de São João. E assim, temos uma situação verdadeiramente notável: João Medina, José Soares e Francisco Ferreira não só viraram comendadores num mesmo dia em 1881, como também, poucas décadas depois, batizariam três ruas centrais são-joanenses de modo praticamente simultâneo…


BLOG RUA DO SAPO SERJAO

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BLOG RUA DO DESCOBERTO SJ

Acima, vê-se uma sequência de fotografias de autoria de Sérgio (Serjão) Missiaggia, no Blog do Pitomba (mantido em parceria com Jorge Marin). E nelas, de cima para baixo, veem-se quatro logradouros são-joanenses cujos nomes oficiais somente lhes foram dados depois que já existiam seus respectivos apelidos: (1) a Rua do Sapo (ou Nazaré); (2) a Rua Nova (ou Comendador José Soares); (3) a Rua do Buraco (Comendador João Medina) e (4) a Rua do Descoberto (Capitão Ferreira Campos).

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