O palacete e o educandário “abandonados” do Barão de Santa Mafalda

CONTINUAÇÃO DE: O triunfo de Mariano Procópio, e o título da 1ª Baronesa de Santana

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 16/11/2019 – reeditado)

Quando pela 1ª vez o Imperador D. Pedro II visitou Juiz de Fora – a então vila de Santo Antônio do Paraibuna – em junho de 1861, logo no início de sua estadia na residência de Mariano Procópio, foi por este homenageado com um banquete para 100 convidados, servido numa clareira na mata das terras de seu anfitrião, segundo nos conta Jair Lessa. Este também relata que, durante o almoço, “uma banda de música de colonos executava entusiasmadas valsas que, volta e meia, eram enriquecidas por melodiosos tiroliros, de alemães do Tirol – existiam 227 – escondidos pela exuberante vegetação em pontos altos e esparsos. Incrivelmente, numa cortesia do Santo Pedro ao Imperial Xará, não choveu.”

Um ponto curioso dessa passagem é que ela mostra que o soberano brasileiro foi recebido pelas duas “cidades” fundadas por Mariano – uma em torno de sua estação, vila e castelo, e outra, erguida no bairro de São Pedro, correspondente à colônia alemã D. Pedro II que lá se instalara, com a chegada de seus integrantes para trabalharem na rodovia União e Indústria. Assim, de certa forma, houve uma vitória das duas “cidades” de Mariano sobre uma “terceira Juiz de Fora”, a mais tradicional, erguida ao longo da rua Direita, atual avenida Rio Branco, e traçada algum tempo antes pelo engenheiro Henrique Halfeld.

Depois do esplêndido almoço, D. Pedro II ainda foi a cavalo até o alto do morro que dominava a vila de Santo Antônio do Paraibuna, para o lado do poente. E chegou mesmo a esboçar um desenho do magnífico panorama que lá do alto se descortina. A incursão de Pedro II ao topo daquela notável elevação é a causa dela ser até hoje conhecida como o “morro do Imperador”. Não obstante, tempos depois, já na república e no início do século 20, em seu cume seria também construída uma capela, junto com uma estátua do Cristo Redentor. Desde então, o morro que era do Imperador, passou a ser do Cristo também… E, até hoje, ambas as denominações seguem competindo entre si no linguajar do povo de JF.

Mas, voltando ao programa do monarca em terras juiz-foranas, sabe-se que, no dia seguinte ao de sua chegada à casa de Mariano Procópio, ele também visitou a Igreja Matriz de Santo Antônio, atual catedral, onde foi rezada uma solene missa acompanhada de um Te Deum. Depois, sob um pálio, o monarca atravessou a rua Direita e, finalmente, visitou o magnífico palacete erguido por Manuel do Vale Amado para hospedá-lo.

Como já havíamos comentado anteriormente, D. Pedro II acabou se instalando na própria residência de Mariano Procópio ao chegar a Juiz de Fora, de modo que não quis ficar no palacete. Porém, mesmo não se hospedando, ele lá compareceu, onde novamente recebeu os juiz-foranos para um encontro e uma cerimônia do beija-mão, que teve lugar num salão magnificamente decorado do luxuoso prédio.

Mas a predileção do Imperador pela casa de Mariano em detrimento do palacete de Vale Amado, não seria ainda a maior decepção deste último. Isto porque o pior ainda lhe viria pouco depois: ao oferecer o esplêndido imóvel para D. Pedro II, a fim de que este e a família imperial lá pudessem para sempre dispor de um digno local de pouso em terras juiz-foranas, Vale Amado, para a sua própria surpresa e a de todos, viu o soberano declinar o presente, talvez um pouco assustado com o tamanho, aparentemente exagerado, de tal oferta… E assim, o Imperador teria dito ao desapontado fazendeiro e chefe político, que somente poderia aceitar o enorme prédio caso este se convertesse numa escola ou hospital…

Vale Amado, entre frustrado e, possivelmente enraivecido, não concordou, de modo que a sua tão sonhada oferta ao soberano brasileiro acabaria não se concretizando… Mas isso não foi só. Profundamente magoado com a decepção sofrida – que deve ter lhe soado também como uma grande vergonha pública e política –, Vale Amado se amofinou depois desse acontecimento. E, segundo alguns, lançou uma “maldição” contra aquele monumental prédio: lá, nem ele, nem ninguém mais moraria; mas tampouco o daria, emprestaria ou venderia. E assim foi: o palacete pouco a pouco seria esvaziado de sua magnífica mobília e decoração. E também seria definitivamente fechado, permanecendo como uma espécie de “mansão mal-assombrada” em pleno coração de Juiz de Fora, ao longo de mais de quatro décadas desde quando fora construído.

O próprio Vale Amado, na verdade, não viveria muito tempo após o episódio que certamente o traumatizou. Faleceu em 31 de maio de 1862, portanto, pouco menos de um ano depois da visita do Imperador. Alguns dizem, na linguagem antiga, que Vale Amado “morreu de desgosto”, e parece-nos mesmo provável que isso tenha acontecido. Não obstante, antes de falecer, deu ordens a seu único filho homem, José Maria de Cerqueira Vale, para que continuasse a tratar o palacete da mesma forma, e este cumpriria à risca a vontade paterna.

Um dado curioso é que, 15 anos após o incidente da “desfeita imperial”, isto é, em 1876, José Maria de Cerqueira Vale seria transformado por D. Pedro II no Barão de Santa Mafalda, título que remetia a uma das grandes fazendas que a família Vale Amado possuía próximo ao rio Paraibuna e à divisa de Minas com o Rio de Janeiro, numa antiga sesmaria outrora pertencente a Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. E, em 1881, outra filha de Manuel do Vale Amado, Amélia, tornar-se-ia a Baronesa de S. João Nepomuceno, graças ao título de barão são-joanense recebido por seu respectivo marido, Pedro de Alcântara Cerqueira Leite. Conforme se vê, portanto, D. Pedro II, apesar de ter recusado a oferta de Vale Amado, deste não parecia sentir rancor, visto que, tempos depois do referido episódio, ainda elevaria dois de seus filhos à dignidade de barões do Império (muito embora, como dissemos, o próprio Vale Amado não viveria o suficiente para testemunhar essas mercês).

Por sua vez, quando o Barão de Santa Mafalda faleceu aos 85 anos de idade, em 1904, ele finalmente legou o grande prédio abandonado e seu respectivo terreno à Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Esta então tentou vendê-lo, o que não se mostrou ser uma tarefa fácil. Isto porque ninguém da cidade, nem mesmo os ricos com condições de adquirir tal imóvel, queria morar numa “mansão amaldiçoada”, que era como o lúgubre e decrépito palacete parecia aos olhos dos juiz-foranos…

Até que, enfim, o governo estadual de Minas Gerais adquiriu o imóvel, que foi, afinal, transformado num grupo escolar, fundado em 1907 (o mesmo ano em que outros grupos escolares seriam também criados em Minas, como o de S. João Nepomuceno, que só alguns anos depois passaria a se chamar Cel. José Brás). E, com o tempo, várias outras instituições educacionais seriam oficialmente instaladas no palacete de Santa Mafalda, como a Escola Estadual Delfim Moreira. O prédio foi também tombado como parte do patrimônio histórico e arquitetônico de Juiz de Fora, além de ter sido sempre defendido por aqueles que deploravam um segundo abandono do qual ele seria vítima. Isto porque, ao abrigar escolas públicas do Ensino Fundamental a partir do século 20, o prédio acabaria entrando em um novo estado de decrepitude, como consequência, entre outros motivos, dos baixos investimentos e do pouco interesse que certas autoridades republicanas têm se manifestado pela educação nas últimas décadas, ou desde sempre…

E, dessa forma, pode-se dizer que, afinal, o desejo de D. Pedro II, daquele palacete se transformar numa escola, acabou se concretizando, ainda que por vias tortas e muito tempo depois. E, pelo menos, atualmente, ele está passando por uma restauração, que, esperamos, consiga restituir ao menos um pouco do esplendor que tinha no passado.


BARAO DE SANTA MAFALDA

Acima, José Maria de Cerqueira Vale, o Barão de Santa Mafalda, que foi irmão da Baronesa de S. João Nepomuceno e filho de Manuel do Vale Amado (filho) (Imagem gentilmente cedida por Ronei Fabiano Alves). Abaixo, o palacete de Santa Mafalda, assim denominado porque o barão do mesmo nome recebeu-o como herança de seu pai, tendo, por sua vez, legado-o postumamente à comunidade juiz-forana. Nesta imagem, de 1907, o histórico prédio – situado na avenida Rio Branco – já abrigava um grupo escolar, que havia sido fundado naquele mesmo ano.

PALACETE SANTA MAFALDA COM ALUNOS EM 1907

A seguir, duas fotografias tiradas por este autor no cemitério particular da fazenda da Rocinha da Negra, na zona rural de Simão Pereira, MG. Na imagem abaixo, a lápide baixa, ao centro, é o túmulo do Barão de S. João Nepomuceno (falecido em 1883), que fora cunhado e genro de Manuel do Vale Amado filho. Já na campa com grades logo atrás (também no centro da imagem), encontram-se os restos mortais da Baronesa de S. João Nepomuceno (falecida em 1893) e de seu irmão, o Barão de Santa Mafalda (falecido em 1904). BSJN TUMULO CENTRALIZADO

Bem perto dali, e já na imagem a seguir, num dos cantos do histórico cemitério, encontra-se o túmulo de Manuel do Vale Amado filho, o construtor do palacete, falecido em 1862.

MANUEL DO VALE AMADO TUMULO

CONTINUA EM: Em meio à memorábilia — e também à “fofocábilia” — do barão são-joanense

6 comentários

  1. Muito bom saber, em detalhes, a história do Palacete Santa Mafalda. Ouvi dos mais velhos um “boato”, e permaneceu em mim uma curiosidade. Além disso, minha mãe, Olívia da Cruz Alvarenga, nos anos de 1929 a 1932, estudou no grupo escolar que veio a funcionar nesse imóvel. Infelizmente, ao terminar a 4. série, foi impedida de continuar os estudos por seu pai. Ela não precisaria mais estudar, por ser mulher, e somente seus irmãos cotinuariam o estudo. Aproximadamente 60 anos depois, sendo já adultos os 4 filhos, resolveu fazer o supletivo e em seguida o curso de Direito, tornando-se advogada.

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    • Olá, Regina, grato por comentar, e também por lembrar do grande exemplo da sua mãe, D. Olívia da Cruz Alvarenga, que, de fato, além de uma pessoa extremamente gentil, foi mesmo um modelo de persistência e determinação, ao se formar em Direito já na maturidade, e em tão pouco tempo, desafiando assim o que a “sociedade” havia reservado para ela, na condição de mulher e dona de casa (aliás, também exemplares, como ela sempre foi)

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  2. Estou fazendo estudo aprofundado, do Palacete Santa Mafalda 1861, dos pertences do bens Móveis que guarneciam o Palacete Época, queria mais informações, que rumo tomou no Leilão, algumas peças foram remarcadas Museu Mariano Procopio, e os Quadro D.Pedro II vc farda Marechal, e Quadro Tereza Cristina, quem rematou?

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