O padre são-joanense e bisneto do Guarda-mor Furtado que se tornou bispo de Leopoldina

CONTINUAÇÃO DE: Os vereadores da “legislatura-relâmpago” são-joanense de 1870

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 08/01/2022 – reeditado)

Dissemos há pouco nesta coluna que um dos vereadores da Câmara de São João Nepomuceno empossados em 1870, durante a efêmera 2ª criação deste município, foi Silvestre Antônio de Araújo Porto. E, a respeito da biografia desse personagem, uma vez obtivemos diversos detalhes preciosos, relatados por um de seus respectivos netos, Alcibíades, num livro chamado “Árvore genealógica dos Araújo Porto”.

Lá se informa que esta família descende de Antônio José de Araújo Porto, o qual, no final dos 1700, “vem residir para os lados de São João Del Rei e Bertioga, e foi comandante da Milícia Contratada, tendo sido comandante do então Alferes Joaquim José da Silva Xavier, o ‘Tiradentes’”. Esse Antônio José de Araújo Porto, por sua vez, casou-se com Maria Francisca da Conceição, uma trineta do bandeirante Borba Gato, e também tetraneta de outro bandeirante, Fernão Dias Paes Leme, o “Caçador de Esmeraldas”, líder do desbravamento paulista de Minas Gerais, nas últimas décadas do século 17. Deste casal, nasceu, entre outros filhos, o referido vereador em S. João Nepomuceno, acerca do qual seu respectivo neto, Alcibíades, relata:

Silvestre de Araújo Porto, nascido em 1800 e tanto, aos 16 anos saiu de casa e foi para o município de Vassouras, no estado do Rio de Janeiro, empregando-se ali numa fazenda. Entrou depois para o Exército e chegou ao posto de Tenente. Deu baixa após nove anos. No Exército, Silvestre foi enfermeiro e adquiriu prática em medicina. Desligando-se do Exército, numa época de muita escassez de médicos, foi contratado por uma casa comercial do Rio de Janeiro para servir como médico em um navio negreiro. Esta casa fazia comércio com a África, levando mercadorias do Brasil em troca de negros. Viajou por duas vezes à África nessa missão. O navio, que era movido a vela, levava cerca de um ano para ir e voltar. Em seu retorno, ficava na Ilha das Cobras (no litoral do Rio), de quarentena, enquanto curava os negros das enfermidades [de] que eram acometidos.

Passaram-se muitos anos sem que a família de Silvestre soubesse notícias dele. Certo dia, fazendeiros do Alto Rio Doce [MG], indo à Ilha das Cobras comprar negros, depararam[-se] ali, com um moço louro de olhos azuis, muito parecido com o Capitão Antônio José de Araújo Porto; perguntando a Silvestre sobre sua origem, ele lhes disse ser do Alto do Rio Doce em Minas Gerais. Tiveram então a certeza de que se tratava do filho de Antônio José, desaparecido aos 16 anos.

Voltando ao Alto do Rio Doce, deram notícias de Silvestre a seus parentes.

Nesta ocasião, ele já tinha uns 30 anos de idade, e sua família havia perdido a esperança de encontrá-lo. Silvestre retornou a Minas Gerais e, por influência de uma tia sua, que residia em Rio Novo (Zona da Mata – MG), comprou ali uma fazenda, abriu uma escola, uma venda e um rancho para tropeiros, começando também a clinicar como se fosse um médico. Ficou muito conhecido e também muito estimado na região. Casou-se com a filha de um fazendeiro – Ana Carolina Ferraz, que havia sido sua aluna. Já então pessoa de grande influência naquela zona.

Silvestre foi eleito vereador quando Rio Novo ainda era pertencente à Comarca de Mar de Espanha (MG). Mais tarde, quando Rio Novo tornou[-se] município, elegeu-se novamente vereador por lá. Por esta época, São João Nepomuceno era distrito de Rio Novo, e Silvestre residia num local chamado Vargem Grande (hoje distrito de São João Nepomuceno [sic]). Ali, criou numerosa família

A seguir, o livro cita todos os dez filhos de Silvestre e de sua esposa – quatro homens e seis mulheres –, dos quais ao menos seis casaram-se na família Furtado de Mendonça, do Guarda-mor doador do patrimônio da capela de S. João Nepomuceno em 1815. Por exemplo, o segundo filho, Joaquim Antônio de Araújo Porto, desposou Felisbina Francisca de Mendonça, uma filha de José Antônio de Mendonça, que era o único filho sobrevivente (e também homônimo) do Guarda-mor e de sua primeira esposa, D. Maria Custódia de Jesus.

Joaquim de Araújo Porto e Felisbina, tiveram, por sua vez, 12 filhos, dos quais cabe aqui destacar o quinto e o oitavo, Aristides e Alcibíades de Araújo Porto, respectivamente.

Aristides de Araújo Porto, segundo informa seu irmão Alcibíades, nasceu em São João Nepomuceno em 5 de outubro de 1882. Aos doze anos de idade, ingressou no Seminário de Mariana, onde se ordenou padre em 1905. Voltou então para sua cidade natal, onde foi coadjutor do padre Condé por três anos, até 1908.

Sobre ele, o livro prossegue: “Durante a sua estada nesta paróquia fundou a Conferência dos Vicentinos, que continua no seu mister até hoje.

Posteriormente, foi nomeado vigário de Santo Antônio do Aventureiro (Mar de Espanha) e, mais tarde (1910) foi transferido para a freguesia de Madre de Deus de Angustura, onde permaneceu por 14 anos ([até] 1924). Durante 7 anos (desde 1924), foi pároco de Leopoldina. Ali iniciou muitas obras, destacando-se, pela sua originalidade, a construção da Igreja Matriz.

Em 13 de maio de 1931, recebeu da Nunciatura Apostólica do Rio de Janeiro comunicação telegráfica de que Sua Santidade o Papa Pio XI o elegera Bispo Titular de Teveste, coadjutor com futura sucessão do Exmo. e Revmo. Sr. Dom João Antônio Pimenta, Bispo de Montes Claros no norte de Minas; era, então, Monsenhor. Em 30 de agosto do mesmo ano, era sagrado Bispo.

As cerimônias de sagração se deram em Leopoldina e obedeceram ao Pontificial Romano, cujas cerimônias foram dirigidas pelo Exmo. Revmo. Sr. Cônego Francisco Vieira Braga, da Catedral de Mariana. (…) Em 23/07/1943, por morte de Dom Pimenta, assumiu o bispado de Montes Claros. Faleceu em 7 de abril de 1947, vitimado por colapso cardíaco, e foi sepultado na cripta da Catedral de Montes Claros, ao lado de João Antônio Pimenta.”

Quanto ao autor dessa valiosa obra genealógica e histórica, o Sr. Alcibíades de Araújo Porto, como se disse, ele era irmão do referido Bispo D. Aristides. Popularmente conhecido como o Seu Nenê Porto, nasceu em Piedade, antigo nome de Piacatuba, distrito da vizinha cidade de Leopoldina, em 1890. Aos 15 anos de idade, ou seja, em 1905, veio residir em São João Nepomuceno, morando com seu irmão, o recém-ordenado padre Aristides, que acabava de se tornar o vigário coadjutor de nossa cidade. Aqui se tornou aprendiz de um barbeiro português, chamado Juca Freire. Casou-se em 1910 e exerceu outras profissões para sustentar a si e sua família, como proprietário de bar, confeitaria e bilhar, até se tornar um dentista prático. Iniciou-se na arte dentária por intermédio de alguns profissionais são-joanenses aqui já estabelecidos, entre os quais Dâmaso dos Reis Torres, o Daminhas, que também era escritor e autor da série “O mistério do morro do Tongó”, a qual recentemente reescrevemos nesta coluna e publicamos em 2020 na forma de um livro com esse mesmo nome.

Em 1925, o Sr. Alcibíades, até então um dentista prático, formou-se na Escola de Farmácia e Odontologia de Ubá. Abraçaria a carreira odontológica pelo restante de sua vida profissional, que foi bastante longa. Exerceu-a também no Corpo de Bombeiros de Belo Horizonte, onde chegou ao posto de Tenente. Quando já se encontrava na casa dos 80 anos, na década de 1970, participou do Projeto Rondon, em meio a vários jovens universitários que prestaram serviços acadêmicos a comunidades indígenas e ribeirinhas em Conceição do Araguaia, no Pará. Viveu mais de cem anos, e teve dez filhos por sua esposa. Uma filha, a professora D. Carmen de Araújo Porto, desposou o farmacêutico Antônio Baptista de Mendonça, casal este que são os pais, entre outros, do escritor e jornalista são-joanense, e ex-redator da Voz de S. João,  Nilson Magno Baptista. Foi, aliás, Nilson, um velho amigo nosso e de nossa família, quem, vários anos atrás, possibilitou-nos que tirássemos uma cópia desse precioso livro de seu avô, cujos excertos acima publicamos.


Aqui se veem, da esquerda para a direita: (1) Silvestre Antônio de Araújo Porto, fazendeiro, médico prático e um dos vereadores da “legislatura-relâmpago” são-joanense de 1870 e dois de seus respectivos netos,os irmãos: (2) D. Aristides de Araújo Porto, Bispo de Leopoldina e de Montes Claros e (3) o dentista, genealogista e escritor Alcibíades (Nenê) de Araújo Porto.

CONTINUA EM: Mariano Procópio, a provável “eminência parda” (mais eminência do que parda) por trás da transferência da sede municipal de S. João Nepomuceno para Rio Novo em 1870

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