O cometa Kohoutek: entre “sensação científica” e o “fracasso do século”

CONTINUAÇÃO DE: Entre o mito e a realidade, nove minutos de separação, ou mais

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 18/11/2023 – reeditado)

A fotografia que o observatório Copérnico, de S. João Nepomuceno, registrou do cometa Kohoutek em 24 de novembro de 1973, curiosamente, não apareceu no jornal juiz-forano Diário Mercantil que noticiara aquele acontecimento três dias depois.  Isto porque o dito jornal preferiu somente estampar a foto dos três astrônomos responsáveis por aquele feito: o dr. Paulo Manzo e seu filho Paulinho, mais o professor Antônio Rezende Guedes, de Juiz de Fora.

               E essa ausência levou-nos a conjeturar que, talvez, a foto não tivesse ficado tão boa…, não por culpa desses astrônomos, mas sim, do próprio cometa, que teimou em não aparecer tão espetacularmente quanto havia sido esperado… Afinal de contas, caso, nessa fotografia, se tivesse registrado um cometa esplendoroso, com uma enorme cauda iluminando o céu do Brasil, então é claro que o dito jornal se apressaria em mostrar sua respectiva imagem, talvez até na sua primeira página. Mas, se não o fez, então é porque algo deve ter dado  errado…

               E, de fato, pesquisando mais sobre esse acontecimento, posteriormente encontramos a foto do Kohoutek tirada pelo observatório Copérnico, estampada no jornal Correio Braziliense, em janeiro de 1974, precisamente numa ocasião em que esse cometa já estava sendo visto com certa “desconfiança”, dado que até então não se cumprira (e nem se cumpriria) nenhuma das grandes previsões que se fizeram sobre a sua aparência.

               Mas, de tudo isso, percebe-se também uma certa ironia. Os astrônomos do observatório Copérnico estavam em uma posição privilegiada para perceber, antes de quase todos (ao menos no Brasil), que o Kohoutek, em novembro de 1973, já dava mostras de que seria um fracasso. Afinal de contas, esse cometa aparecera bastante apagado em sua fotografia, num período em que, segundo as previsões mais otimistas, era para ele já estar apresentando um brilho extremamente intenso. Porém, os ditos astrônomos ficaram tão empolgados com o fato de terem localizado esse astro, que não prestaram muita atenção na sua aparência… E esta em nada indicava que aquele cometa, dentro de poucas semanas, se tornaria tão brilhante a ponto de ser visto a olho nu durante a luz do dia, segundo as previsões que até então se faziam dele, e que nunca seriam cumpridas…

               Em todos os demais lugares do Brasil e do mundo, as coisas não foram muito diferentes. E, no caso brasileiro, ainda havia um agravante: o cometa estava previsto para atingir o seu brilho máximo no final do ano de 1973 e em janeiro do ano seguinte. Ora, esse é, em nosso país, o pior período para se observar o céu noturno, devido à forte nebulosidade que costuma cobrir o céu nesta época do ano, marcada pelas intensas chuvas de verão.

               Mas, em outros lugares, o avistamento desse cometa também foi decepcionante. Por exemplo, nos Estados Unidos, chegou-se até a promover um cruzeiro pela costa leste americana no icônico transatlântico Queen Elizabeth 2, levando muitos turistas endinheirados, além de ninguém menos que o próprio astrônomo Lubos Kohoutek, que serviria como palestrante e estrela principal daquela excursão. Na verdade, vários outros cruzeiros desse tipo foram realizados, levando também outras figuras de destaque na função de “guias astronômicos”, como o escritor de ficção científica Isaac Asimov, o astronauta da Apolo 11 Edwin “Buzz” Aldrin, que fora o segundo homem a pisar na Lua em 1969, o astrônomo, futuro astro da divulgação científica e celebrado escritor Carl Sagan, que mais tarde escreveria o best seller e a série televisiva Cosmos, entre outros. Porém, nem mesmo essas espetaculares realizações e convidados foram suficientes para salvar o fracasso das expectativas que se criaram em torno do Kohoutek.

               Mas, se pelo lado das “pessoas comuns” esse cometa se apresentava como um fiasco, já pelo lado dos cientistas, o interesse por ele, de todo modo, continuou a existir. Afinal de contas, mesmo não sendo visualmente tão espetacular como se esperava, ainda assim ele era um dos maiores cometas que passaram próximo à Terra no século 20. E isso fez com que o Kohoutek se tornasse possivelmente, o cometa mais estudado até então pelos astrônomos, que para isso contaram com uma série de inovações tecnológicas. E uma dessas foi nada menos do que um laboratório espacial, o Skylab, que foi o precursor norte-americano da Estação Espacial Internacional dos dias de hoje.

               As expectativas em torno do Kohoutek foram tão altas que o lançamento da missão Skylab 4 foi adiantado de alguns dias só para que os astronautas tivessem mais tempo para estudar esse cometa. E, dessa forma, os três astronautas americanos dessa missão acabaram sendo as pessoas que melhor vislumbraram o Kohoutek, do alto de uma órbita terrestre de mais de 400 quilômetros de altitude. Porém, tudo o que viram foi algo equiparável ao brilho do planeta Vênus, o que pode ser muito para qualquer cometa, mas que acabou sendo algo bastante decepcionante para aquilo que antes prometia ser o maior espetáculo astronômico do século…


Na 1ª linha, à esquerda, uma seta aponta para o cometa Kohoutek, conforme fotografado pelo observatório Copérnico de S. João Nepomuceno em 24 de novembro de 1973 [Foto: Correio Braziliense]. À direita, uma imagem do mesmo cometa registrada cerca de um mês depois pelos astronautas da missão americana Skylab 4. Na 2ª linha, o astrônomo tchecoeslovaco Lubos Kohoutek, em visita a um centro de controle da NASA, conversando com os astronautas dessa mesma missão, que, ao ficar 84 dias em órbita, bateria o recorde mundial de duração então vigente: da esq. p/dir.: Gerald Carr (comandante), Edward Gibson e William Pogue. [Três últimas fotos: Wikipedia].

CONTINUA EM: Quem espera nem sempre alcança: o “mico do Kohoutek” e os vários interesses por trás dele

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