Novas conclusões e dúvidas sobre as origens da primitiva capela de Descoberto

CONTINUAÇÃO DE: Uma entrevista com Marcos Machado Coelho, um especialista na genealogia de Descoberto e de várias outras cidades mineiras

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 16/03/2024 – reeditado)

Há pouco, nesta coluna, comentamos que, em janeiro deste ano de 2024, encontramos no Arquivo da Cúria de Mariana, uma provisão concedida pelo Bispo Dom José da Santíssima Trindade, no dia 16 de junho de 1824 – portanto, exatos 200 anos atrás –, pela qual ele outorgava uma licença para o uso de uma capela na “fazenda do Pouso Alegre no Rio Novo da Freguesia da Pomba”.

Esse documento nos despertou grande interesse, porque antes já havíamos lido no livro Instituições e Igrejas do Bispado de Mariana, do Cônego Raimundo Trindade, que, exatamente nesse mesmo dia de 16 de junho de 1824, o bispo marianense teria concedido a um certo “capitão Joaquim José” uma licença para o uso de uma capela em Descoberto. E assim, uma de nossas dúvidas era saber se a provisão que há pouco encontramos é ou não a mesma de que fala o Cônego Trindade.

Por um lado, parecia que as duas eram uma coisa só. Afinal, ambas foram feitas num mesmo dia, e tratavam de uma capela relacionada aos primórdios da vizinha cidade de Descoberto.

Mas, por outro lado, havia divergências. O Cônego Trindade não faz a menor menção ao fato de que a capela ficava numa fazenda em Pouso Alegre. Só diz que ela se situava em Descoberto, e isso nos levou inicialmente a pensar que a capela por ele citada correspondia ao templo precursor da igreja matriz situada na atual praça central daquela cidade. Além disso, na provisão que encontramos, o uso da capela era concedido, não ao “capitão Joaquim José”, mas sim a um certo José Pedro ou João Pedro, nome a respeito do qual tivemos algumas dúvidas, visto que o documento que consultamos era difícílimo de decifrar, devido à caligrafia antiga de seu redator, e também por causa do pouco contraste das letras esmaecidas contra o fundo amarronzado do antigo livro no qual ela estava escrita.

Porém, como se isso não bastasse, havia (e ainda há) um ponto complicador nessa história. Até onde sabemos, ninguém nunca viu o texto da provisão mencionada pelo Cônego Trindade. No livro que escreveu, ele apenas menciona essa licença, mas não transcreve nem uma linha sequer dela. E, dessa forma, como comparar os textos das supostas duas versões, o da “nossa” e o da “dele”, se temos somente o da nossa?

Para tentar esclarecer essas dúvidas, poucas semanas atrás, contratamos um pesquisador profissional atuante naquele arquivo, o professor Estevam Martins. E ele, após perscrutar o livro por nós indicado, chegou à conclusão de que o recipiente da provisão por nós localizada, de fato, parece se chamar João Pedro, e não José Pedro, como havíamos pensado anteriormente. Dessa forma, no blog que temos com o nome desta coluna – São João Nepomuceno, dois séculos de história –, mudamos o nome que lá havíamos informado quando escrevemos a provisão, para João Pedro, e colocamos uma nota de rodapé explicando o motivo dessa alteração. Fizemos isso porque preferimos nos basear na palavra de um especialista que estudou o documento e chegou a essa conclusão. Mas nisso, outro ponto que nos deixou satisfeitos foi o fato de que, salvo por essa troca de nomes, de José Pedro para João Pedro, o professor Estevam não fez nenhum outro reparo significativo no texto que havíamos transcrito, de modo que achamos que, quanto ao restante do documento, o conteúdo é exatamente o mesmo que havíamos publicado antes.

Mas, a nosso pedido, o professor Estevam também leu várias páginas anteriores e posteriores àquela onde estava a licença obtida por João Pedro, a fim de tentar localizar a licença do “capitão Joaquim José” de que fala o Cônego Trindade. No entanto, não encontrou nada, assim como nós, quando lá estivemos, tampouco encontramos! E um ponto relevante é o fato de que, nesses livros de provisões, como, de resto, em qualquer livro de registros, as entradas costumam naturalmente seguir uma ordem cronológica, pois elas vão sendo anotadas à medida que os dias, meses e anos vão se passando (embora ocasionalmente possa haver também alguma entrada “tardia”, feita porque, por algum motivo, ela não pôde ser registrada logo que se produziu o evento por ela tratado).

Portanto, se nos baseássemos só nesses fatos, poderíamos nos inclinar a pensar que a citação do Cônego Trindade talvez tenha sido um equívoco. E tal suspeita fica ainda mais forte quando lembramos que, na “nossa” provisão – a do João Pedro – o padre que redige o documento se chama Joaquim José Rodrigues Rego. Ou seja, talvez o Cônego Trindade, encontrando também dificuldade para decifrar o obscuro texto, tenha pensado que o escrivão Joaquim José fosse o capitão Joaquim José, e teria identificado este último, que talvez nem sequer existisse, como o suposto beneficiário da dita provisão…

Mas, por outro lado, também encontramos, nos censos de Descoberto e redondezas daquela época, um número razoável de indivíduos chamados Joaquim José. Dessa forma, apesar das nossas suspeitas, achamos ainda prematuro “bater o martelo” quanto ao fato de que o Cônego Tridnade supostamente cometeu um equívoco ao falar da capela de Descoberto. Talvez pesquisas futuras possam algum dia sanar essa dúvida.

Porém, voltando ao caso do João Pedro, que de fato aparece na provisão que vimos, o pesquisador Marcos Machado Coelho, um grande conhecedor da genealogia descobertense, que há pouco também entrevistamos, nos alertou para o fato de que, na região próxima a Descoberto, naquela ocasião (primeiras décadas dos 1800), havia também outros indivíduos com esse mesmo nome. E que alguns deles eram homens de posse e, portanto, até mais prováveis de serem os solicitantes do uso da capela, quando comparados com o João Pedro que encontramos no censo, o qual era pardo e possivelmente de condições mais modestas.

E é precisamente sobre este tema – a tentativa de identificar quem foi esse João Pedro que obteve a licença do uso da capela de Pouso Alegre, 200 anos atrás – que iremos discorrer com mais detalhes na sequência desse texto.


O mais antigo mapa de Descoberto de que temos notícia foi produzido pela Câmara Municipal de Rio Pomba em 1840 (praticamente de modo simultâneo à elaboração do censo descobertense de 1839). Naquela ocasião, Descoberto era ainda um curato subordinado à Freguesia de S. Manuel do Pomba, porém, já no ano seguinte, ou seja, em 1841, mais precisamente, a partir de 7 de abril, passaria a pertencer à nova Freguesia de S. João Nepomuceno, a qual, no dia 1º daquele mesmo mês e ano, tornar-se-ia um município emancipado pela 1ª vez. No mapa, Descoberto aparece no quadrilátero ao centro. As legendas à sua volta indicam as localidades suas vizinhas. E os números entre elas, as distâncias em léguas de um lugar a outro (sendo que cada légua corresponde a 6 quilômetros). Para facilidade de leitura, acrescentamos ao mapa as letras de A a J, com a transcrição de cada informação que lá consta: A) Distrito da Capela da S. Sma. [Santíssima] Trindade de Descoberto. B) Distrito da Capela de São Sebastião do Feijão Cru [atual Leopoldina]. C) Rumo do sul [a direção sul no mapa]. D) Distrito da Capela de São João do Rio Novo [atual S. João Nepomuceno]. E) Distrito da Capela da Conceição do Rio Novo [atual Rio Novo]. F) Vila da Freguesia da Pomba [atual Rio Pomba]. G) Distância deste Distrito com os vizinhos. H) Os limites estabelecidos em divisas feitas pela Ilustríssima Câmara deste Município [de S. Manuel do Pomba] se acham com igualdade nas distâncias de uns para com outros Distritos pelas linhas marcadas, atento (sic) à linha do Sul. I) Freguesia do Presídio [de S. João Batista, atual Visconde do Rio Branco]. J) Distrito da Capela de Santo Antônio [do Porto, atual Astolfo Dutra]. (Mapa disponível no Arquivo Público Mineiro).

CONTINUA EM: João Pedro de Souza, o provável solicitante do uso da capela do Pouso Alegre em Descoberto, 200 anos atrás

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