A visita de Langsdorff à fazenda do Pouso Alegre em Descoberto

Continuação de: João Pedro de Souza, o provável solicitante do uso da capela do Pouso Alegre em Descoberto, 200 anos atrás

(Texto de Luís Pontes, publicado no jornal Voz de São João em 30/03/2024 – reeditado)

A foto que ilustra o  texto de nossa coluna nesta semana, é da capela de São Sebastião em Pouso Alegre, que, naturalmente, não se refere à cidade com este nome no sul de Minas, mas sim a uma área rural, próxima ao núcleo urbano da atual cidade de Descoberto, um antigo distrito de São João Nepomuceno. Ao fundo, à esquerda, vê-se a serra do Relógio, que, juntamente com a serra do Descoberto (que lhe é uma continuação), representava o limite norte do antigo município são-joanense, em todas as suas três criações: as de 1841, 1868 e 1880. E assim foi até 1953, o ano da emancipação de Descoberto (da mesma forma que, hoje, essas imponentes montanhas representam o limite norte deste último município).

               A capela desta foto é relativamente recente. Na sua fachada, há uma placa onde se lê “13 de dezembro de 1987”, o que supomos ser a data de sua respectiva inauguração, a qual, aliás, correspondeu a tão somente um dia após a comemoração dos 34 anos da emancipação descobertense, ocorrida que foi, como se disse, em 1953, no dia 12 de dezembro. Entretanto, muito tempo antes disso, no começo dos 1800, a região do Pouso Alegre já vinha sendo povoada por pioneiros brancos, vindos do centro de Minas Gerais, ao mesmo tempo em que os índios e sua cultura definitivamente de lá desapareciam. Possivelmente a região deve seu nome a uma das fazendas que por lá existia, e que seria visitada por Langsdorff em 12 de julho de 1824. Porém, cerca de tão somente um mês antes da expedição russa lá chegar, mais precisamente no dia 16 de junho daquele mesmo ano de 1824, no Bispado de Mariana, fora concedida a autorização do uso de uma capela a um certo “João Pedro”, que, conforme há pouco dissemos nesta coluna, é altamente provável de ser o fazendeiro João Pedro de Souza, que por lá então vivia, “na sua fazenda do Pouso Alegre”.

               Segundo informações que nos foram passadas pelo genealogista Marcos Machado Coelho, havia mais de uma fazenda chamada de Pouso Alegre naquela área. E elas tinham em comum o fato de serem banhadas por um córrego do mesmo nome, que nasce no norte montanhoso e coberto de florestas daquela região, precisamente perto de outro ribeirão perto dali, o da Grama, em cuja bacia seria descoberto o ouro pouco tempo depois. Porém, o córrego do Pouso Alegre, tendo uma vez descido as montanhas no meio do mato, rumo norte-sul, subitamente cai na várzea, onde passa agora a correr suavemente rumo à esquerda, acompanhando o contorno da própria cadeia de montanhas de onde surgiu. Dessa forma, ele segue a direção sudeste, onde corre poucos quilômetros até desembocar na margem direita do ribeirão da Grama. Quando isso acontece, ambos os ribeirões estão dentro da área urbana da atual cidade de Descoberto, próximo da sua extremidade sul, onde há a saída para S. João Nepomuceno. Estão também a poucas centenas de metros de onde se encontra a igreja matriz da Santíssima Trindade.

Mas, voltando às fazendas do Pouso Alegre naquela região, a única que Langsdorff visitou era a que estava no seu caminho rumo ao garimpo do ouro. E era pertencente aos membros da família Dias Moreira, vindos de Queluz de Minas, a atual cidade de Conselheiro Lafaiete (do mesmo modo, aliás, que grande parte das famílias pioneiras de Descoberto e São João Nepomuceno, o que nos faz crer que todo esse movimento migratório em direção a essas duas cidades vizinhas, aconteceu de forma praticamente simultânea, e em boa parte, se deveu à vinda de membros de uma mesma família, ou de famílias de certo modo relacionadas por laços de parentesco, amizade e compadrio).

               O patriarca da fazenda do Pouso Alegre visitada por Langsdorff se chamava Domingos Dias da Costa (1748-1825), viúvo de D. Francisca Moreira das Neves (1758-1810). Dessa união, nascera uma vasta prole, formada por pelo menos seis homens e cinco mulheres. A maioria dos filhos homens, em seus respectivos nomes, tomaram o Dias do pai e o Moreira da mãe, passando assim a assinar Dias Moreira: e foi assim que houve o Antônio, o Domingos, o Joaquim, o José e o Custódio Dias Moreira. Este último, aliás, mais tarde desposaria Ana Francisca de São José, uma das filhas do Guarda-mor José Antônio de Mendonça (o “Guarda-mor Furtado”) com sua segunda esposa, D. Francisca Maria de São José, casal este que doou em 1815 o patrimônio da capela de S. João Nepomuceno, cidade da qual eles se tornaram fundadores. E, entre os filhos de Custódio Dias Moreira e sua esposa, um deles foi o capitão José Brás de Mendonça, que seria um político conservador no Segundo Reinado em SJN, onde nomeia um de seus logradouros centrais, popularmente conhecido como a “rua do Totó”, na qual se encontra a sede social do clube Operário. E o capitão José Brás, por sua vez, seria o pai do coronel José Brás, que nomeia uma praça e um dos grupos escolares de São João, sendo que este último foi o pai do dr. Péricles Vieira de Mendonça, outro líder político são-joanense na primeira metade do século 20, e que também virou nome de rua e de escola em SJN.

               Mas, voltando aos irmãos Dias Moreira, também cabe observar que outro deles, o Domingos, casou-se com Benta Josefa da Conceição, uma sobrinha, por parte de pai, de Luís de Souza Lima, o fazendeiro que supostamente doou o patrimônio ou terreno em torno da capela da Santíssima Trindade do Descoberto. Mas, uma das filhas de Domingos Dias Moreira e Benta Josefa da Conceição veio a ser Ana Luíza de Jesus, casada com Teodoro Antunes da Costa, o qual, por sua vez, era um dos filhos do primeiro casamento de João Pedro de Souza, o suposto requerente e beneficiário do uso da capela do Pouso Alegre em 1824!

               Como se vê, portanto, toda essa gente associada aos primórdios de Descoberto era, de certo modo, aparentada ou relacionada entre si. Mas outro ponto curioso é que todos eles parecem ter chegado nessa região mais ou menos ao mesmo tempo. Porém, ainda acerca da dita fazenda e de seus moradores, Langsdorff conversou com um dos membros dessa família (possivelmente um dos filhos do velho Domingos Dias da Costa), e fez o seguinte relato: “Depois de 1 légua [desde a fazenda de Manuel Pereira da Silva, onde Langsdorff se hospedara], chega-se a uma fazenda, onde existem várias casas, grandes e pequenas, que dão ao lugar o aspecto de aldeia. Encontrei na vizinhança um morador dessa fazenda, denominada Pouso Alegre, e, como gosto de pesquisar a origem dos povoamentos, perguntei-lhe sobre suas relações familiares. Ele é um dos 13 filhos adultos de um pai (Famílias Dias e Teixeira), dos quais seis são homens e sete, mulheres. Dois homens e duas mulheres vieram há 11 anos [isto é, em 1813] de Vila de Queluz [atual Conselheiro Lafaiete]. Todos são casados, possuem alguns escravos e trabalham essa faixa de terra de uma légua [em quadra]. Ele me disse que, se a família crescer na mesma proporção que a do seu pai, logo a fazenda e a terra serão pequenas demais para todos, e eles terão que se separar.”

               Um ponto curioso do relato acima de Langsdorff é que a fazenda do Pouso Alegre tinha “várias casas, grandes e pequenas, que dão ao lugar o aspecto de aldeia”. Mas, será que nessa “aldeia” haveria também a própria “capela do Pouso Alegre”, ou seja, a do uso concedido a João Pedro de Souza? Ou será que esta última se localizava perto dali, porém em algum lugar diferente? Essa e outras questões, é a que pretendemos seguir tratando na sequência desse texto.


Capela de São Sebastião em Pouso Alegre, zona rural de Descoberto, MG, com a serra do Relógio ao fundo. (Foto de Luís Pontes)

CONTINUA EM: Tentando mapear (literalmente) as origens de Descoberto

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